Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu
livro de estudos - 1950
8. - Respeito
humano
Que é o respeito
humano?
É a vergonha
daquele que não se atreve a manifestar os seus sentimentos religiosos e
piedosos, porque com isso é escarnecido, insultado, perseguido.
I - Natureza do
respeito humano
O respeito humano é
o respeito pelas coisas humanas colocado acima do respeito pelas coisas de
Deus; é a estima pelo homem preferida à estima por Deus.
O respeito divino
coloca-nos na presença de Deus a quem devemos conhecer, amar e servir porque é
nosso Criador, Senhor, Juiz e Remunerador.- O respeito humano é a negação
de tudo isto. Transfere sacrilegamente para o homem os direitos e a honra que
são reservados a Deus. O homem é considerado como senhor e juiz, e, por isso,
toda a vida exterior é para lhe agradar.
II - Aspectos
diversos do respeito humano
O respeito humano
reveste tantas formas quantos são os nossos deveres.
1.º Omissão do bem.
- O respeito humano impede a prática sincera e fiel da nossa fé, fechamos a
boca quando é preciso falar, e paralisa os nossos esforços quando é preciso
agir.
Sabemos que a santa
Missa é uma fonte de graças desde que assistamos a ela com edificação; todavia,
na assistência à missa não estamos com a devida atenção e fervor, porque não
queremos dar nas vistas com a nossa devoção.
Encontramos na
comunhão uma grande força contra os inimigos da nossa salvação, um ódio ao
pecado, um zelo ardente para o bem, uma garante de perseverança; todavia, não
nos aproximamos muitas vezes deste banquete divino, porque tememos que nos
censurem.
Queremos fazer
progressos na piedade e na virtude; mas para isso é preciso frequentar a
confissão a fim de alcançarmos o perdão das nossas faltas, recebermos conselhos
úteis e uma direção salutar; todavia, não nos confessamos com frequência porque
tememos que escarneçam de nós.
2.º Corrupção do
bem. - O respeito humano infecciona tudo, mesmo o bem. Para que as nossas ações
boas sejam meritórias devem ser feitas com intenção de agradar a Deus. Ora o
respeito humano inclina-nos e decide-nos a praticar o bem para agradar às
criaturas. Portanto, o respeito humano tira o caráter sobrenatural às nossas
ações. Dá preferência do homem a Deus.
3.º Prática do mal.
- O homem levado pelo respeito humano chega mesmo a praticar o mal para agradar
os maus. Um companheiro aproxima-se de nós, convida-nos para os bailes, para
reuniões profanas, para lugares perigosos e deixamo-nos arrastar pelo maldito
companheiro até à boca do inferno e não temos coragem de lhe dizer secamente:
não quero vai tu só.
4.º Jactância do
mal. - O respeito humano faz mesmo com que o homem se glorie com o mel que fez
e até mesmo se glorie com faltas que não cometeu.
5.º O respeito
humano é um mal universal. - Um outro caráter do respeito humano é a sua
universalidade. Por exemplo, o mentiroso, o voluptuoso, o colérico, têm estas
paixões próprias: inimigos da verdade, da castidade, da mansidão; mas, no campo
do respeito humano são inacessíveis a qualquer virtude. O respeito humano não
apresenta o aspecto de um defeito particular, torna-se o foco de todos os
vícios. Escravo do respeito humano, o homem é capaz de transgredir todos os
mandamentos de Deus e da Igreja, faltar a todos os deveres e praticar todo o
mal.
III - Motivos do
respeito humano
1.º O mundo tem
horror à verdade e ao bem - O mundo tem horror à verdade e ao bem e aos que
representem estas coisas.
O ideal do mundo é
o mal. Ora o mal é a negação do bem.
Moisés, que
suportou tantas fadigas no governo de seiscentos mil homens a ouvir as suas
queixas e a apaziguar as suas discórdias, quando esperava do seu povo louvores
e agradecimentos, ouve da boca de um pastor estas amargas palavras: és néscio e
doido em tomares sobre ti tantos negócios!
Vati, esposa de
Assuero, a qual devendo ser louvada pela compostura e modéstia, porque recusou
fazer, alarde da sua formosura perante a multidão dos convidados, tiveram-na
unicamente por cabeçuda e teimosa.
Como queremos que
os maus nos não tenham aversão se as nossas ações são uma repreensão contínua
ao seu mau viver? Com a nossa piedade confundimos a sua falta de religião, com
a nossa honestidade a sua dissolução, com a nossa caridade a sua avareza.
Miram-se em nós como em espelhos e vêem esses infelizes todas as suas
fealdades. Que admira, pois, que nos desprezem, que nos escarneçam e maltratem,
semelhantes ao camelo que, em vendo água clara e nela a sua enorme fealdade,
revolve-a com os pés até turvá-la completamente.
“Os ímpios abominam
os que andam pelo caminho reto.” (Prov, XXIX, 27).
Assim como somos
naturalmente levados a desculpar nos outros aquelas faltas que reconhecemos em
nós mesmos, assim também, infelizmente, nos sentimos inclinados a desaprovar,
ou, pelo menos, a desprezar nos outros as virtudes que não temos força de
praticar.
Eis aqui a
verdadeira razão pela qual os maus murmuram das pessoas virtuosas.
2.º O mundo quer
perder as almas- O mundo sorri sarcasticamente e escarnece dos que têm religião
e piedade porque ele quer prender e matar como outrora. Ele diz e faz como os
irmãos de José: “Que quer este sonhador? E concluíram? Lancemo-lo numa
cisterna.”
O cristão não deve
temer o opróbrio dos homens. Nolite timere opprobriun hominum. Um
cristão deve manifestar que há nas suas convicções uma força maior do que todas
as paixões dos adversários.
IV - Gravidade do
respeito humano
Consideremos a
gravidade do respeito humana em si mesmo e nas suas consequências.
1 - O respeito
humano é a preferência do homem a Deus
O respeito humano é
a ruína da ordem e da perfeição, porque desvia o nosso pensamento, a nossa
atenção de Deus para as criaturas. A razão e a fé dizem: Deus é o fim e o
motivo de todos os nossos atos. O respeito humano diz: só devemos ter
consideração pelo homem, pelos seus gostos, pelas suas opiniões, pelos seus
caprichos.
2 - O respeito
humano é uma fraqueza
O padre Ventura
afirmava energicamente: “Ocultar os sentimentos da verdadeira fé,
envergonhar-se de cumprir publicamente os preceitos, não é senão uma fraqueza,
a maior de todas as fraquezas. É por isso que se encontra comumente nas almas
pequenas.”
3- O respeito
humano é uma fraqueza vergonhosa
Deus deu-nos um
guia seguro, um juiz infalível das nossas ações, é a consciência que nos
ilumina e dirige em todos os nossos passos, nos louva ou censura conforme
praticamos bem ou o mal.
O escravo do
respeito humano segue uma luz, obedece a uma outra regra. A sua luz e a sua
regra é a opinião e o capricho de alguns homens.
4 - O respeito
humano é uma fraqueza muito prejudicial à salvação
O respeito humano
inutiliza os meios tão poderosos e eficazes de que Deus se serve para nos
atrair a Si. Convida-nos pela sua graça a uma vida mais regular e mais santa e
nós mesmos temos bons desejos de abraçar esta vida. Porque resistimos às
solicitações da graça? É o respeito humano que impede a ação da graça e asfixia
a nossa boa vontade.
5 - O respeito
humano é uma traição
Devemos edificar
uns aos outros. O que tem mais luz, mais virtude, deve irradiar estes bens em
volta de si. Nosso Senhor Jesus Cristo diz: “Vós sois a luz e o sal da terra:
luz que deve combater as trevas; sal que deve impedir a corrupção.” Ora o
respeito humano contraria, destrói esta disposição de Deus, impede que a luz
irradie, apaga-a, corrompe o sal; ajuda as trevas e o mal a espalharem-se por
toda a parte.
6 - O respeito
humano é a abdicação da personalidade humana
Deus determinou que
o homem se conduzisse pela sua consciência esclarecida pela lei divina, é nisto
que está toda a sua dignidade de homem. Ora o homem que se deixa arrastar pelo
respeito humano não pensa, não fala, não opera por si mesmo, segundo a sua
consciência, torna-se escravo dos outros, pensa, fala e faz como eles. Pode
conceber-se alguma coisa mais destruidor da dignidade ou personalidade humana?
Não.
7 - O respeito
humano é a abdicação da dignidade de cristão
Um cristão pode
dizer com São Paulo: “Eu vivo, mas verdadeiramente não sou eu já que vivo, é
Jesus Cristo que vive em mim, é Jesus Cristo que pensa, fala e opera em mim.”
Ora o cristão possuído do respeito humano é um discípulo indigno, tem o nome de
cristão e não se deixa conduzir por Jesus Cristo: Poderá dizer: eu vivo, mas
não sou eu que vivo, é o tal companheiro insensato, todo ele é que vive em mim.
Eu abdiquei da minha alma para substituí-la por uma alma desvairada, estúpida.
8 - O respeito
humano é uma escravidão vergonhosa
Se alguém quisesse
fazer-nos uma observação sobre qualquer dos nossos defeitos dir-lhe-íamos: Não
se meta onde não é chamado. Porém atacam as nossas virtudes e boas qualidades e
temos a baixeza de nos envergonhar de as defender.
9 - O respeito
humano é uma apostasia infame.
“Foi o respeito
humano que fez morrer o Filho de Deus. Pilatos teria sido inabalável às
instâncias e gritos dos Judeus que pediam a morte de Jesus por estar convencido
da inocência do Salvador, e da injustiça deles, mas apenas o ameaçaram com
César, toda a sua firmeza não pôde vencer o temor de desagradar a César. Ó
respeito humano, exclama alguém, em quantos corações tens dado a morte a
Cristo, e em quantos não O tens deixado nascer! Deixamos de ser de Deus ou
receamos ser d'Ele, pelo temor do juízo dos homens”. Quem quiser ser amigo
deste mundo perverso declara-se por isso mesmo inimigo de Deus.
10 - O respeito
humano é causa de condenação eterna
1.º Condenação dos
homens. - Ozanam, quem aconselhavam um dia uma prudência muito tímida nas
manifestações da sua fé, respondia: “Não, eu não ganharei nada em dissimular as
minhas convicções; não adquiro a confiança daqueles que me conhecem e perderei
a da juventude que me considera; isto é, não obterei a estima dos maus e
perderei a dos bons”.
O cristão fraco,
tímido, engane-se nos seus cálculos, e acaba inevitavelmente por ver recusar o
que tem sido objeto de todos os seus sacrifícios, o respeito dos outros. Aquele
que falta aos juramentos de fidelidade a Deus não pode oferecer nenhuma garantia
na confiança dos homens.
2.º Condenação de
Deus. - No dia de juízo a sentença pronunciada sobre nós dependerá da maneira
como tivermos compreendido o respeito humano e o respeito divino. “Eu
confessarei, diante de meu Pai, aquele que me confessar diante dos homens, diz
Jesus, e envergonhar-me-ei diante de meu Pai, daquele que se tiver envergonhado
de mim diante dos homens”.
Jesus abomina,
condena o mau cristão que recusou reconhecer a Sua soberania.
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