Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu
livro de estudos - 1950
V - Preparação para
a luta contra o respeito
1- Estudo
Há uma grande falta de noções
precisas e firmes sobre a religião. Devemos, pois, fazer um estudo pessoal,
graduado, perseverante sobre Deus, Jesus Cristo e a Igreja, e sob a direção da
mesma Igreja.
2- Reflexivo
Todo o estudo deve ser acompanhado de
reflexão. A reflexão, diz Rouzic, é atmosfera intelectual que permite à verdade
arreigar-se em nós. Doutro modo, a verdade fica em nós à flor da alma como uma
semente lançada à superfície do solo e que é levada pelo vento.
3- Divisa
Devemos tomar uma divisa que encara,
por assim dizer, a alma destas reflexões divinas, que devemos trazer muitas
vezes à lembrança, sobretudo nas horas de luta; como por exemplo: Non
erubesco Evangelium, eu não me envergonho do Evangelho: ou esta
outra: Mihi autem pro minimo est ut a vobis judicer, não faço caso
algum dos vossos juízos a meu respeito. Assim falava com altivez São Paulo
diante dos gregos e dos romanos, diante da sua civi1ização e das suas
divindades. “O meu Deus e a minha consciência eis os meus únicos juízes”.
4- Aliança
Os aliados do
cristão são Deus e o próximo. Deus.
- Deus é aliado de
todo o homem. Todavia, para vir a nós e nos armar com a Sua força, devemos
recorrer:
1.º A oração. - A
oração é o tratado de aliança que determina a assistência divina. A oração põe
a força de Deus à disposição da fraqueza humana, sobretudo a oração ao Espírito
Santo, o inspirador do heroísmo dos confessores e mártires. A recitação piedosa
e ardente doVeni Sancte Spiritus ou do Veni Creator dá
à nossa alma um banho de energia e daí sai pronta para todos os combates.
2.º A comunhão. -
Pela comunhão digna, fervorosa, frequente, colocamos a força de Deus dentro de
nós; e então podemos exclamar com São Paulo: Cum infirmor tunc potens
sum; Omnia possum in eo qui me confortat, sou fraco e sou forte, tudo posso
nAquele que me conforta.
3.º Tradições de
família. - Depois de Deus temos o nosso próximo como aliado. Há homens maus ou
fracos que nos provocam às ações do respeito humano. Há também homens fortes na
virtude que nos encorajam ao respeito divino. Dos nossos antepassados para nós
e de nós para os nossos descendentes há laços de solidariedade. A educação
recebida, o exemplo dado por nossos pais são outras tantas vozes a incutir-nos
coragem no cumprimento dos nossos deveres religiosos e assim como nós o seremos
para os nossos vindouros.
Pertencemos a
famílias católicas de quem temos recebido sublimes lições e grandes exemplos
que devemos seguir e imitar para não degenerarmos.
VI - Luta contra
respeito humano
1- Defesa
Quando estamos numa
conversa em que a religião, a piedade, a caridade, a pureza ou outra virtude
cristã são atacadas ou metidas a ridículo ou quando nos é proposta a prática de
um ato que a nossa consciência reprova, três atitudes são possíveis: o silêncio
reprovador, o afastamento, a ofensiva.
A abstenção
silenciosa basta às vezes para mostrar que não se pactua com o erro e para
protestar contra o mal.
O afastamento, o
abandono de uma má companhia, onde a lei de Deus é transgredida é também um
protesto contra o mal. A liberdade de se ir embora, de se afastar, dizia
Lacordaire é antes de tudo, liberdade de um homem que tem sentimentos nobres; e
desgraçado daquele que a não possui, ou que se não atreve a fazer uso dela.
2- Ofensiva
A ofensiva, a
resposta, é o terceiro meio de resistir. Quando, pois, são atacadas as verdades
em que nós acreditamos ou as virtudes que praticamos, o dever é, muitas vezes,
reagir diretamente, ripostar. Uma resposta bem dada, anima os bons, abala os
indecisos, ganha os indiferentes e lança, no espírito dos maus centelhas de luz
que lhes mostram o bom caminho e que, em tempo oportuno, seguirão, porque,
graças a Deus, a verdade e o bem tem os seus triunfos.
Em 1844,
Montalembert dizia na Câmara dos pares: “Nós somos filhos de mártires, não
temos medo dos filhos de Juliano Apóstata; somos descendentes dos cruzados, não
recuamos diante dos descendentes de Voltaire.”
Os maus, muitas
vezes, não falam, não operam, não triunfam senão devido à abdicação dos bons
que se calam, que tem medo. Basta proclamarmos altivamente: sou cristão! Esta
palavra tem vencido o mundo e vence e desarma os nossos inimigos.
Quando se quer
verdadeiramente ganhar terreno e obter a vitória final é preciso tomar a
ofensiva.
Nas lutas morais
como nas guerras entre as nações os triunfos decisivos pertencem aqueles que
tomam a ofensiva. Não devemos, pois, dissimular a nossa bandeira, mas mostrá-la
ostensivamente; não deixemos de praticar um ato religioso, mas façamo-lo com
toda a perfeição e com reta intenção, isto é, para maior glória de Deus.
Por quanto tempo da
nossa vida durarão tais insultos e tão trabalhoso viver? Até ao dia de juízo e
não mais. Neste grande dia que regozijo o nosso em estarmos de rosto firme e
maravilhosa constância acusando os que nos atribularam e oprimiram.
Sabeis o que me
lembra quando trato de representar essa alegria! Afigura-me ver Noé encerrado
na arca misteriosa.
Nunca homem algum
foi tão insultado como o bondoso Noé, Vivendo no meio de um povo desenfreado,
sem Deus, sem mandamentos, sem vergonha, brilhava em toda a espécie de virtudes
e por isso era escarnecido ou insultado por todos.
Quando, porém, Deus
mandou a Noé que construísse uma arca ou casa flutuante para nela se refugiar e
salvar do dilúvio universal: Oh! que ocasião esta para gracejarem com o servo
de Deus.
Quando viram passar
anos e anos, e Noé cada vez mais afadigado na construção da arca, e sem o menor
vestígio de castigo apesar das tremendas ameaças de Noé, em nome do Senhor, oh!
então reuniam-se em volta da arca, escarneciam do santo velho, chamando-lhe, à
boca cheia, mentiroso e doido! E ao verem depois que, muito à pressa, se metia
na arca com toda a sua família, como cresciam as chutas e gargalhadas, os
gracejos e insultos! - Olhe o dementado velho, nem ao menos quer respirar
livremente o ar que Deus lhe concedeu, ele mesmo preparou a sepultura e se
enterra em vida. Com certeza é doido: teme que as águas o afoguem e não teme
que o despedacem as feras, leões e tigres! Nestes e semelhantes termos
escarneciam de Noé enquanto ele entrava para a arca. Tão cegos estavam e tão
empedernidos eram os seus corações.
Quando, porém, dali
a sete dias, começou a chover torrencialmente, a transbordarem os rios, a
espraiar-se o mar, e as águas elevarem-se acima das mais altas montanhas, que
cena tão diferente da primeira, que sentimentos tão contrários! Entre o fragor
das tempestuosas nuvens que parecia o estrondo de cem batalhas, entre o sibilar
dos ventos que, gemendo tristemente, pereciam lamentar a agonia do mundo entre
a gritaria dos que fugiam e o clamor dos que se afogavam e os ais dos que por
toda a parte morriam, diz Segneri, só a arca do varão justo ia intrépida entre
tantos sobressaltos e segura no meio da desolação universal: não é um cárcere
de ignomínia é um carro triunfal.
Às sortes estão
trocadas e mudadas a fortuna. Vós escarneceis de mim, dizia o servo de Deus,
porque não tomava parte nos vossos torpes passatempos; motejáveis de mim com
delírio porque me fui encerrar neste cárcere; agora é tempo de eu escarnecer de
vós, vendo-vos sumir como o chumbo no fundo do mar.
Não é mais
invejável a sorte de Noé do que a sorte dos malvados escarnecedores? Tal será,
pois a nossa sorte se permanecermos firmes entre os escárnios dos maus. Riem-se
agora de nós porque recusamos fazer-lhes companhia nas festas e diversões,
motejam-nos porque preferimos passar os dias encerrados em casa ou nalguma
igreja, a passear por praças e jardins atrás das vaidades do mundo ou do
desenfreamento da carne.
Mas ai! Quão breve
é o seu riso! Quão passageiras as suas zombarias!
Quando estalar
aquela tempestade, não de água, mas de fogo, onde se refugiarão os infelizes!
Quererão alcançar um cantinho na
nossa arca, mas em vão.
VII- Vantagens da
vitória sobre o respeito humano
Mostramos que somos
cristãos. - Nós, cristãos, por quem Jesus Cristo deu a Sua vida, a quem Jesus
Cristo trata não como servos, mas como amigos, devemos preferir a
qualidade inestimável e o belo nome de cristão, a toda a glória
humana; devemos confessar publicamente o Seu santo nome não somente no
conselho dos justos, mas ainda, e principalmente, no meio da assembléia dos
pecadores; cumprir a Sua lei, praticar os nossos deveres sem temores, nem
respeitos humanos.
Quais são as
ameaças ou os suplícios que detém um cristão na confissão da sua fé, no serviço
de Deus?
Ameaçado de lhe
tirarem os bens, São João Crisóstomo responde: tudo o que possuo é dos
pobres; tirando-mos não fazeis injustiça a mim, mas aos pobres; ameaçado
na sua liberdade responde: Eu beijarei com amor as cadeias que me prendem
porque ao menos sou livre em Jesus Cristo; ameaçado de
exílio responde: A minha verdadeira pátria é o Céu; ameaçado na
sua vida responde: Chegarei mais depressa ao Céu, a ver a Deus, único
fim de todos os meus desejos.
E esta atitude de
São João Crisóstomo tem sido a de doze milhões de mártires e de uma multidão
inumerável de cristãos a quem nem a pobreza, nem o pecado, nem a morte, nem a
fraqueza, nem as cruzes, nem os dentes das feras podem levar a praticar um
ato de condescendência reprovado pela sua consciência; - Nego a
Cristo!
- Os cristãos
fracos temem um sorriso à flor dos lábios, uma troça.
Durante as
perseguições dos primeiros séculos do Cristianismo, um humilde cristão foi
preso e conduzido diante da estátua de Júpiter. Dizem-lhe aí:
- “Lança incenso no
fogo e sacrifica aos nossos deuses!”
- “Não!” responde
ele energicamente.
Começam a
torturá-lo; não se queixa. Levantam-lhe o braço de maneira que a mão
fique, precisamente, em cima da chama e põem-lhe incenso na mão:
- “Deixa cair o
incenso e deixamos-te ir em liberdade!”
- “Não!” responde
ainda Barlaam. E fica imóvel de braço estendido.
A chama eleva-se e
começa a lamber a mão; o incenso fumega já; mas o homem não se move. A mão
queima-se com o incenso, mas Barlaam prefere o martírio a renunciar à sua fé,
ao seu Deus. - Um coração de bronze!
Quando Madalena
soube que Jesus se encontrava em casa de Simão, tomou um vaso de alabastro
cheio de aromas e foi a toda a pressa derramá-lo sobre a cabeça do Salvador. E
logo começaram muitos a murmurar, a indignar-se, a ranger os dentes, dizendo: Ut
quid perditio haec? Para quê este desperdício? Quantos pobres morrem de
fome e de frio e que ela poderia alimentar e vestir, se, em vez de ir comprar
aromas, fosse comprar pão e agasalhos para os pobres! Ela que tinha gasto
tanto dinheiro em jóias, banquetes e diversões! Pensais que então algum lhe
chamava esbanjadora, cara a cara? Pelo contrário, todos aplaudiam os seus
excessos. Quando, porém, faz das suas profanidades um ato de culto ao seu Deus
a quem tão tarde começou a amar, eis que imediatamente se soltam as línguas em
mil afrontas, assanham-se contra ela e ultrajam a pobre mulher.
Vejamos, por aqui,
quanto parecida foi, em todos os tempos, a sorte daqueles que se resolveram a
voltar as costas ao mundo e servir generosamente a Jesus Cristo. “Todos aqueles
que querem viver piedosamente em Jesus Cristo, diz o Apóstolo, hão-de
sofrer perseguição.” (II Tim. III, 12).
Tornamo-nos
semelhantes a Jesus Cristo. - Na vida de Santo Henrique Suso conta-se que o
servo de Deus fazia as mais ásperas penitências; mas, em certa
ocasião, disse-lhe Deus que ainda tinha de sofrer coisa de maior
merecimento e custo e que, para saber o que era, abrisse a porta da cela. Assim
o fez. E viu no dormitório um cão com um trapo na boca e umas vezes o
mordia e outras vezes o lançava para um canto. Disse-lhe Nosso Senhor
que se dispusesse a ser tratado como aquele trapo e aprendesse dEle a
sofrer, ainda que o desprezassem e mordessem com injúrias.
Começaram, em
breve, as perseguições e aos olhos do mundo, parecia um trapo desprezível,
mordido dos cães furiosos e aos olhos de Deus, era uma pedra preciosa de muito
valor que com aqueles golpes ficava cada vez mais polida.
Porque é que valem
mais as perseguições e injúrias sofridas com humildade e paciência do que
penitências feitas com rigorosa austeridade? É que assim nos tornamos mais
semelhantes a Jesus Cristo. Foi humilhado na Sua divindade na Sua alma e no Seu
corpo.
Portanto a tinta
das injúrias, que a muitos só parece lançar no crédito, é na verdade, a tinta
com que se tem feito preciosas cópias e retratos de Jesus Cristo.
Alcançamos muitos
méritos. - Qual foi o principal merecimento do patriarca Abraão no seu
sacrifício? Foi a obediência pronta, heróica, em executar as ordens de Deus?
Não: o principal mérito do santo patriarca consistiu em não olhar
ao que dirão, em desprezar com espírito magnânimo os ditos a que a sua
obediência o expunha.
Vendo-o tomar o
cutelo, diriam: aquilo é um bárbaro: vendo-o descarregar o golpe, sem
derramar uma lágrima, sem lançar um ai, sem desviar sequer o rosto,
acrescentariam: aquilo é um tigre e não um homem, um algoz e não um
pai!
Não temeu, diz São
Zenão, que o tivessem por cruel e filicida: antes, para mostrar a sua
submissão, alegrava-se de Deus, Nosso Senhor, lhe ter ordenado sacrifício tão
penoso. Está nisto o incomparável mérito do grande patriarca.
Imaginemos que todo
o mundo em vez de nos escarnecer e motejar nos louva e aplaude por sermos
cristãos. Neste caso, quem deve e a quem? Deus a nós ou nós a Deus? “Os
devedores, somos nós a Deus, diz São João Crisóstomo, devedores lhe somos da
honra que nos tributam; mas se somos escarnecidos e motejados por Sua causa,
Deus se faz nosso devedor.” Que coisa podemos desejar mais do que ter
próprio Deus por devedor? Deus paga, cento por um, neste mundo e depois, o
reino dos Céus.
Reflexões e
resoluções. - Agora, com os olhos da minha alma fixos em Jesus
Crucificado, faço reflexões sobre a virtude sobrenatural da fé e tomo as
resoluções de desenvolver e aperfeiçoar em mim esta grande virtude pela oração,
dizendo com os Apóstolos: Senhor, aumentai em mim a fé; pelo exercício
constante praticado, frequentes atos de fé como está escrito: “O justo vive da
sua fé” e de professar sem temores nem respeitos humanos, de maneira que à hora
da minha morte possa repetir como o Apóstolo São Paulo: - Cursum
consummavi, fidem servavi; cheguei ao fim da minha vida e, durante
toda ela, mostrei por obras que fui sempre verdadeiro cristão.
Maria Santíssima,
minha boa Mãe, ajudai-me a ser fiel a estas resoluções. Assim seja
Nenhum comentário:
Postar um comentário