quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Autobiografia de Santo Antonio Maria Claret


Primeira parte

Capítulo I
Nascimento e batismo

3. Nasci 4 em Sallent 5, comarca de Manresa, bispado de Vic, província de Barcelona. Meus pais chamavam-se João Claret 6 e Josefa Clará. Casados, honrados e tementes a Deus, muito devotos do Santíssimo Sacramento do Altar e de Maria Santíssima.

4. Fui batizado na pia batismal da paróquia de Santa Maria de Sallent, no dia 25 de dezembro, dia do Natal do Senhor, do ano de 1807. Embora nos livros paroquiais conste 1808, por iniciar a contar o ano seguinte por este dia. Por esta razão meu registro é o primeiro do livro do ano de 1808.

5. Deram-me o nome de Antônio Adjutório João. Meu padrinho, um irmão de minha mãe, que se chamava Antônio Clará, ele quis que me chamasse pelo seu nome de Antônio. Minha madrinha, irmã de meu pai, que se chamava Maria Claret, casada com Adjutório Canudas, me pôs o nome de seu marido. O terceiro nome é João, que é o do meu pai. Depois, por amor à Virgem Santíssima, acrescentei o dulcíssimo nome de Maria 7, porque ela é minha mãe, minha madrinha, minha mestra, minha diretora e meu tudo, depois de Jesus. Assim, meu nome é Antônio Maria Adjutório João Claret e Clará.

6. Somos onze irmãos: seis homens e cinco mulheres, que enumerarei por ordem, citando o ano em que nasceram.
1º Rosa, nascida em 1800, casada, viúva hoje, muito trabalhadeira, honrada e piedosa; foi a que mais me dedicou carinho; 8
2º Mariana, nascida em 1802, morreu aos dois anos;
3º João, nascido em 1804, herdeiro de todos os bens da família; 9
4º Bartolomeu, nascido em 1806, morto aos dois anos;
5º Eu próprio, nascido em 1807 ( = 1808);
6º Uma irmã, nascida em 1809, falecida após o nascimento;
7º José, nascido em l810, casado; teve duas filhas, que se tornaram Irmãs de Caridade ou Terciárias; 10
8º Pedro, nascido em 1813, falecido aos quatro anos;
9º Maria, nascida em 1815, tornou-se Irmã Terciária; 11
10º Francisca, nascida em 1820, falecida aos três anos;
11º Manuel, nascido em 1823, morreu aos treze anos, após os estudos de Humanidades em Vic. 12


Capítulo II
Primeira infância

7. A Providência Divina sempre velou sobre mim de um modo singular, como se verá neste e em outros casos que relatarei. Minha mãe sempre criou sozinha seus filhos, mas a mim não lhe foi possível, porque lhe faltava saúde. Por isso me confiou a uma ama-de-leite da mesma cidade, com a qual permanecia dia e noite 13. O dono da casa fez uma escavação muito profunda, a fim de ampliar a loja. Uma noite em que eu não estava lá, em conseqüência da escavação, os alicerces cederam, trincaram-se as paredes e a casa desabou. Morreram, soterrados pelos escombros, minha ama-de-leite e seus quatro filhos. E, caso lá me encontrasse, teria tido a mesma sorte dos demais. Bendita seja a Providência de Deus! E quantas graças devo dar a Maria santíssima que, desde pequeno, preservou-me da morte e me livrou de outros apuros. Ó, como sou ingrato!...

8. As primeiras idéias que guardo na memória são de quando tinha uns cinco anos. Quando deitado, em vez de dormir, pois sempre fui de dormir pouco, pensava na eternidade. Pensava: Sempre, sempre, sempre. Imaginava distâncias enormes. A elas juntava outras e mais outras. E, ao ver que não alcançava o fim, me arrepiava e pensava: Os que tiverem a desgraça de ir para a eternidade de sofrimentos será que jamais deixarão de sofrer? Sofrerão sempre? Sim, sempre, sempre terão que sofrer. 14.

9. Tudo isto me causava uma profunda pena, porque eu, por natureza, sou muito compassivo. Essa idéia da eternidade de sofrimentos ficou tão gravada em mim, seja pela ternura que despertou, seja pelas muitas vezes que pensei nela, por isso é o que mais tenho presente. Este mesmo pensamento é o que mais me fez, me faz e me fará trabalhar, enquanto viver, pela conversão dos pecadores, no púlpito, no confessionário, por meio de livros, estampas, folhas avulsas, conversas familiares, etc., etc.

10. Conforme já disse, a razão disso é porque tenho um coração tão terno e compassivo que não posso ver uma desgraça ou uma miséria, que não a socorra; tiro o pão da minha boca para dá-lo ao pobrezinho e até deixo de alimentar-me para tê-lo e dá-lo quando alguém o pede. Tenho escrúpulo de gastar para mim, quando lembro que existem tantas necessidades para remediar. Pois bem, se estas misérias corporais e momentâneas me afetam tanto, imaginem o que produzirá em meu coração o pensar na condenação eterna, não para mim e sim para os demais que voluntariamente vivem em pecado mortal.

11. Eu me digo muitas vezes: A fé nos diz que existe o céu para os bons e inferno para os maus, e que as penas do inferno são eternas; que basta um único pecado mortal para condenar uma alma, pela malícia infinita que tem o pecado mortal, pela ofensa a um Deus infinito. Considerando esses princípios certíssimos, ao ver a facilidade com que se peca, tal como se bebe um copo de água, como se ri ou se diverte; ao ver a multidão de pessoas que estão continuamente em pecado mortal e que assim vão caminhando para a morte e para o inferno, não posso repousar; tenho de correr e gritar, e então digo a mim mesmo:

12. Se eu visse alguém prestes a cair num poço ou numa fogueira, garanto que correria e gritaria para avisá-lo e afastá-lo do perigo. Por que não farei a mesma coisa para evitar que caia no poço e na fogueira do inferno?

13. Não posso compreender como os outros sacerdotes que crêem nas mesmas verdades que eu creio e que todos devem crer, não pregam nem exortam para preservar as pessoas de caírem no inferno. 15

14. E ainda admiro como os leigos, homens e mulheres, que têm fé, não gritam. E digo a mim mesmo: Se uma casa pegar fogo e, por ser noite e por estarem todos dormindo e não virem o perigo, porventura o primeiro que percebesse, não avisaria, não correria pelas ruas, gritando: Fogo! Fogo, em tal casa? Por que então não gritar: fogo do inferno! para acordar a tantos que vivem presos na letargia do pecado, sabendo que, ao despertarem, estarão ardendo no fogo do inferno? 16

15. Essa idéia da eternidade infeliz 17, que muito vivamente começou em mim aos cinco anos, tenho-a sempre presente e, com a ajuda de Deus, jamais a esquecerei; ela é a mola propulsora de meu zelo pela salvação das almas.

16. Com o passar do tempo, a esse estímulo se juntou um outro, que depois explicarei: o de pensar que o pecado não só condena meu próximo, mas que é, acima de tudo, uma ofensa a Deus, que é meu Pai. 18 Ah! Esta idéia me corta o coração e me faz correr como... E me digo: se um pecado é de uma malícia infinita, o impedir um pecado é impedir uma injúria infinita ao meu Deus, ao meu bom Pai.

17. Se um filho tivesse um pai muito bom e visse que, sem motivo, o maltratam, não o defenderia? Se o visse sendo levado ao suplício, não envidaria todos os esforços para libertá-lo? Pois, que devo fazer para honra de meu Pai, que é tão facilmente ofendido e, inocente, levado ao calvário para ser novamente crucificado pelo pecador, como diz São Paulo? Calar não seria um crime? Não se esforçar ao máximo não seria...? Ó meu Deus! Ó meu Pai! Dai-me força para impedir todos os pecados, pelo menos um, mesmo que por causa disso me façam em pedaços.


Capítulo III
Primeiras inclinações

18. Para maior confusão minha, direi as palavras do autor do Livro da Sabedoria: Era um menino vigoroso, dotado de uma alma excelente (Sb 8,19). Quer dizer: recebi de Deus, por puro ato de sua bondade, uma boa índole. 19

19. Lembro-me que na guerra da independência, que durou do ano 1808 a 1814, o medo que os habitantes de Sallent tinham dos franceses era grande, e com razão, pois estes haviam incendiado a cidade de Manresa e o povoado de Calders, próximo a Sallent. 20 Todos fugiam quando chegava a notícia de que o exército francês estava próximo. As primeiras vezes que fugi, lembro-me que me levavam nos ombros, porém as últimas, tinha quatro ou cinco anos e já andava, dava a mão a meu avô, João Clará, pai de minha mãe, 21 e, como era de noite e tinha a visão fraca, advertia-o dos obstáculos com muita paciência e carinho. O pobre velho ficava muito consolado ao ver que não o deixava nem fugia com os demais irmãos e primos, que nos deixavam sozinhos. E sempre lhe professei muito amor e carinho até sua morte; e não somente a ele, mas a todos os idosos e impossibilitados.

20. Não suportava que alguém zombasse de algum idoso, como é comum acontecer entre os jovens. Lembrava o castigo exemplar de Deus aos que zombavam de Eliseu. 22 Lembro-me que na igreja, sempre que chegava um idoso, se eu estivesse sentado, levantava-me e, com muito gosto, cedia meu lugar; na rua sempre os cumprimentava; quando tinha a oportunidade de conversar com algum deles, era para mim a maior satisfação. Queira Deus que eu tenha aproveitado bem os conselhos que os idosos me davam... 23

21. Ó meu Deus, como sois bom! Como sois rico em misericórdia para comigo! Oh! Se tivésseis dado a outro as graças que a mim destes, este teria correspondido melhor que eu! Piedade, Senhor, pois a partir de agora começarei a ser bom, ajudado por vossa divina graça!

Continua...

Pouco amor à Verdade



Padre Frederick William Faber

É o pecado dos pecados, a mais repugnante das coisas que Deus reprova neste mundo enfermo.
No entanto, quão pouco entendemos de sua odiosidade excessiva!
É a poluição da Verdade de Deus, o que é a pior de todas as impurezas.
Porém, como somos quase indiferentes a ela!
Nós a fitamos e permanecemos calmos.
Encostamos-nos a ela e não trememos.
Misturamo-nos com seus fautores e não temos medo.
Nós a vemos tocar as coisas santas e não percebemos o sacrilégio.
Inalamos seu odor e não mostramos qualquer sinal de detestação ou desgosto.
Alguns de nós afetamos ter sua amizade; e alguns até buscam atenuar as culpas dela.
Não amamos os homens o bastante para sermos caridosamente sinceros pelas almas deles.
Tendo perdido o tato, o paladar, a visão e todos os sentidos das coisas celestiais, somos capazes de armar tenda no meio dessa praga odienta, em tranquilidade imperturbável, reconciliados com sua repulsividade, e não sem declarações em que nos gabamos de admiração liberal, talvez até com uma demonstração solícita de simpatias tolerantes [por seus fautores].
Por que estamos tão, tão abaixo dos santos antigos, e mesmo dos apóstolos modernos destes últimos tempos, na abundância de nossas conversões?
Porque não temos a antiga firmeza!
Falta-nos o velho espírito da Igreja, o velho gênio eclesiástico.
Nossa caridade é insincera, pois não é severa; e não é persuasiva, pois é insincera. Carecemos de devoção pela Verdade como Verdade, como Verdade de Deus.
Nosso zelo pelas almas é débil, pois não temos zelo pela honra de Deus.
Agimos como se Deus ficasse lisonjeado com conversões, ao invés de serem almas que tremem resgatadas por um excesso de misericórdia.
Dizemos aos homens meia-verdade, a metade que calha melhor à nossa própria pusilanimidade e aos preconceitos deles; e depois nos admiramos de tão poucos se converterem, e que, desses poucos, tantos apostatem.
Somos tão fracos a ponto de nos surpreendermos de que nossa meia-verdade não teve tanto sucesso quanto a Verdade inteira de Deus.
Onde não há ódio à heresia, não há santidade.
Um homem, que poderia ser um apóstolo, torna-se uma úlcera na Igreja por falta de justa indignação.”.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os Remédios Contra o Orgulho



AD. Tanquerey – Précis de Théologie Ascétique et Mystique.

Já dissemos em outro lugar que o melhor remédio contra o orgulho é de reconhecer que Deus é o autor de todo o bem, e que, por consequência, a Ele só pertence toda honra e toda glória. De nós mesmos, não somos mais que nada e pecado e não merecemos senão o esquecimento e o desprezo.

I° - Não somos mais que nada. Os principiantes devem estar convencidos na meditação, ruminado lentamente, à luz divina, os pensamentos seguintes: não sou nada, não posso nada, não valho nada.

A)   Eu não sou nada: sem dúvida, quis a bondade divina me escolher entre milhões de possibilidades para me dar a existência, a vida, uma alma espiritual e imortal e eu O devo agradecer todos os dias por isso. Mais: a) eu saí do nada, e meu próprio peso ma arrasta ao nada e eu aí cairei infalivelmente se meu Criador não me conservar por Sua ação incessante; meu ser não me pertence, mas todo e inteiro a Deus e é a Ele que devo render homenagem.
b) Este ser que Deus me deu é uma realidade viva, uma imensa graça, a qual eu não saberei jamais agradecer suficientemente; mas, por mais admirável que seja, este ser comparado ao Ser divino, é como o nada, de tal modo é imperfeito. 1) é um ser contingente, que poderia desaparecer sem que nada faltasse a perfeição do mundo; 2) é um ser emprestado, que me foi dado sob a reserva expressa do soberano domínio de Deus; 3) é um ser frágil,  que não pode subsistir por ele mesmo e que tem necessidade de ser sustentado a cada instante por Aquele que o criou. É pois, um ser essencialmente dependente de Deus e que não tem outra razão de existir que para render glória a seu Autor. Esquecer essa dependência, agir como se nossas qualidades fossem completamente nossas, e disso nos vangloriar, é um erro inconcebível, uma loucura uma injustiça.
Isto que dissemos do homem na ordem da natureza vale muito mais na ordem da graça essa participação na vida divina, que faz minha grandeza e minha nobreza, é um dom essencialmente gratuito que tenho de Deus e de Jesus Cristo, que eu não posso guardar muito tempo sem a graça divina, que não cresce em mim senão pelo concurso sobrenatural de Deus. Que ingratidão e que injustiça de atribuir a si mesmo a menor parcela desse dom essencialmente divino?

B)   Eu não posso nada por mim mesmo: sem dúvida, recebi de Deus faculdades preciosas que me permitem conhecer e amar a verdade e a bondade; estas faculdades foram aperfeiçoadas pelas virtudes sobrenaturais e pelos dons do Espírito Santo; jamais saberemos admirar perfeitamente esses dons da natureza e da graça que se completam e se harmonizam tão bem. Mas de mim mesmo, de minha própria iniciativa, eu não posso nada para o colocar em marcha e o aperfeiçoar: nada na ordem natural sem o concurso de Deus; nada na ordem sobrenatural sem a graça atual, nem mesmo ter um bom pensamento, nem um bom desejo sobrenatural. E, sabendo disso, poderia eu me orgulhar destas faculdades naturais e sobrenaturais como se elas foram inteiramente propriedades minhas? Ainda aqui seria ingratidão, loucura, injustiça.

C)   Eu não valho nada: sem dúvida, se considero isso que Deus colocou em mim, isso que opera por Sua graça, sou de um grande preço, tenho um valor: eu valho isso que custei e eu custei o Sangue de um Deus! Mas esta honra de minha redenção e santificação vem de mim ou de Deus? A resposta não pode ser duvidosa. Mas enfim, diz o amor-próprio vencido, eu tenho algo, entretanto, que pertence a mim mesmo e me dá algum valor, é meu livre consentimento em concurso à graça divina. Seguramente temos ai alguma parte, mas não a principal: este livre consentimento não é outra coisa senão o exercício das faculdades que Deus nos deu gratuitamente, e no momento mesmo onde nós o utilizamos, é Deus quem opera em nós como causa principal: “Ele opera em vós o querer e o fazer”. (Fl II,13). E, uma vez que decidimos seguir o impulso da graça, quantas vezes ao contrário nós a resistimos? Quantas vezes nos cooperamos imperfeitamente? Verdadeiramente, não há ai um motivo para nos vangloriar mas sim para nos humilhar.
Quando um grande mestre pinta uma obra de arte, é a ele que se atribui o valor, e não aos artistas de terceiro ou quarto escalão que foram seus auxiliares. Além disso, devemos atribuir nossos méritos a Deus como causa primeira e principal, se bem que, como canta a Igreja conforme Santo Agostinho, Deus coroa Seus dons quando coroa nossos méritos “coronando merita coronas dona tua”.
Assim, pois, de qualquer lado que consideremos, e seja qual for preço dos dons que estão em nós, de nossos méritos, não temos o direito de nos vangloriar, mas o dever de fazer homenagem a Deus e de agradecê-lo do mais profundo do coração. Temos ainda que Lhe pedir perdão pelo mau uso que fizemos de Seus dons.

II° - Eu sou pecador e como tal mereço o desprezo, todos os desprezos que agradar a Deus me enviar. Para nos convencer disto basta lembra-nos o que dissemos sobre o pecado mortal e venial.

A)   Se tive a infelicidade de cometer um só pecado mortal, eu mereço eternas humilhações, pois que mereço o inferno. Sem dúvida, tenho a doce confiança que Deus me perdoou; mas não deixa de ser verdadeiro que cometi um crime de lesa-majestade divina, uma espécie de deicidio, um suicídio espiritual, e que, para expiar a ofensa à majestade divina, devo estar pronto a aceitar, a desejar mesmo, todas as humilhações possíveis, as maledicências, as calunias, as injúrias, os insultos: tudo isto está bem abaixo daquilo que merece aquele que uma única vez ofendeu a infinita majestade de Deus. E eu que O ofendi um grande numero de vezes, qual não deve ser a resignação, minha alegria mesmo, quando tenho a ocasião de expiar meus pecados por opróbrios de cura duração?

B)   Todos nós cometemos pecados veniais, e sem dúvida, de propósito deliberado, preferindo voluntariamente nossa vontade à glória de Deus. Isto é uma ofensa à majestade divina, ofensa que merece humilhações tão profundas que, malgrado uma vida passada na prática da humildade não poderíamos devolver a Deus toda a glória que injustamente roubamos. Se esta linguagem parece exagerada, lembremos-nos das lágrimas e penitencias austeras dos santos que não tinham cometido senão faltas veniais. Esses santos tinham uma visão mais clara que a nossa e se ainda pensamos diferentemente deles é por que ainda somos cegos pelo nosso orgulho.

Devemos, pois, como pecadores, não somente não procurar a estima dos outros, mas nos desprezar a nós mesmos e aceitar todas as humilhações que agradar a Deus nos enviar.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O Zelo



Santo Antonio Maria Claret

Do Zelo que devemos ter pela maior glória de Deus e do bem do próximo

O amor de Deus e do próximo produz um efeito muito semelhante ao do fogo. O fogo da pólvora faz saltar pelos ares qualquer que o comprima, impele para cima as balas e as bombas; o fogo do vapor faz correr a toda velocidade os vagões dos trens e empurram os navios que cortam as ondas do mar; assim o fogo do Espírito Santo fez que os Apóstolos corressem o mundo inteiro. Este mesmo fogo divino inflamou e empurrou São Pedro Nolasco e seus companheiros e aos filhos da ordem por ele fundada a livrar da escravidão os corpos e as almas de tantos cristãos.
Inflamados pelo mesmo fogo os missionários apostólicos, chegaram, chegam e chegarão até os confins do mundo, de um polo ao outro, para anunciar a palavra divina; de modo que possam dizer como São Paulo: “Caritas Christi urget nos” a caridade de Cristo nos estimula e nos insta a correr e a voar com as asas do santo zelo.
O verdadeiro amante ama a Deus e seu próximo; o verdadeiro zeloso é o mesmo amante, porém em grau superior. Segundo os graus de amor, quanto maior amor tem maior o zelo. E se alguém não tem zelo é sinal certo que tem apagado em seu coração o fogo do amor, a caridade. Aquele que tem zelo deseja e procura por todos os meios possíveis que Deus seja sempre mais conhecido, amado e servido nesta vida e na outra, posto que esse sagrado amor não tem limites.
Do mesmo modo age em relação com seu próximo, desejando e procurando que todos estejam contentes neste mundo e sejam felizes e bem aventurados no outro; que todos se salvem, que ninguém se perca eternamente, que nenhuma pessoa ofenda a Deus e que ninguém finalmente, permaneça um só momento em pecado. Assim vemos nos santos apóstolos e em qualquer um que é dotado de espírito apostólico. E não só nos homens mas também nas mulheres como se lê na vida de Santa Maria do Socorro, de Santa Mariana de Jesus, de Santa Natália e de outras que seria demasiado enunciar, as quais com suas orações, mortificações e exortações procuraram sempre a maior glória de Deus e o bem corporal, espiritual e eterno do próximo.
Em confirmação desta verdade, seja me permitido aqui narrar alguns fatos de suas interessantes vidas:
De Santa Rosa de Lima se lê que dizia: “Se eu fosse varão andaria de um reino a outro até que se convertessem todos os pecadores.” E já que isso não podia por em execução, chorava, orava e fazia áspera penitencia para este fim; e com as expressões mais enérgicas se esforçava por persuadir aos pregadores, aos confessores e às pessoas zelosas e virtuosas se aplicassem a uma obra tão importante. Respondendo a alguns deles que se dedicassem a ela depois de concluídos os estudos superiores, ela insistia dizendo: “Por Deus, padres! Para converter os índios não é necessária tanta teologia; o que falta é zelo, amor a Jesus Cristo e às almas que ele conquistou com Seu Sangue Preciossíssimo. Ide, ide padres, que a necessidade é urgente.” Ribadeneira, Flos Sanctorum (Madrid, 1761) II, p.650.
Era tão grande e ardente o zelo que estava continuamente animada Santa Catarina de Sena, que na Itália, andava de um povo a outro exortando e pregando por disposição do Sumo Pontífice e o fruto que produzia era tão copioso que devia levar consigo doze confessores com faculdades extraordinárias para ouvir as confissões dos que se convertiam ao escutar suas palavras. L. Gisbert, Vida Portentosa de Santa Catalina (Valência 1690). P.174.
Tinha, ademais, tanta veneração aos pregadores e aos confessores que com zelo se dedicavam a salvação das almas que beijava a terra onde tinham posto os pés. O grande e fervoroso zelo em que ardia a fazia exclamar: “Senhor e Deus meu, queria colocar-me às portas do inferno para impedir que entrassem nele as almas dos pecadores.” Beato Raimundo de Cápua, La vita di S. Caterina da Siena (Roma, 1866), p. 10.
Na vida de Santa Tereza de Jesus se lê o que fez ao ouvir o dano e a ruína que causava a heresia de Lutero e Calvino: “Fique tão lastimada da perdição de tantas almas que não me cabia em mim. Fui-me a uma ermida com fartas lágrimas; clamava a Nosso Senhor sumplicando-Lhe que me desse algum meio de ganhar alguma alma para seu serviço, de tantas que levava o Demônio, e que minha oração pudesse algo, já que eu não conseguia mais que isso.” (Fundações, Cap. I, p.7).
Continua...


A Humildade



A.     Tanquerey (Précis de Théologie Ascétique et Mystique)



Esta virtude poderia, sob certos aspectos, relacionada com a justiça, pois que ela nos inclina a nos tratar como nós merecemos. Entretanto é relacionada geralmente à virtude da temperança, por que ela modera o sentimento que nós temos de nossa própria excelência. Exporemos: 1° sua natureza; 2° seus graus; 3° sua excelência; 4° os meios de praticá-la.

I – Sua natureza

1° - A humildade é uma virtude desconhecida dos pagãos; para eles a humildade designava algo vil, abjeto, servil e ignóbil. Não era a mesma coisa para os judeus. Esclarecidos pela fé, os melhores dentre eles, os justos, conscientes de seu nada e sua miséria, aceitavam com paciência a prova como meio de expiação; Deus então se inclinava em suas direções para socorrê-los; amava atender as orações dos humildes e perdoava o pecador contrito e humilhado. Quando Nosso Senhor vem pregar a humildade e a doçura, os judeus puderam compreender sua linguagem. Para nós, compreendemos melhor ainda, depois de ter meditado os exemplos de humildade que Ele nos deu em sua vida escondida, pública e sofredora e que não cessa de nos dar em Sua vida eucarística.

Pode-se definir a humildade como: uma virtude sobrenatural que, pelo conhecimento que nos dá de nós mesmos, nos inclina a nos estimar em nosso justo valor e a procurar nosso desprezo. Mais brevemente São Bernardo define como: “virtus qua homo verissima sui agnitione, sibi ipsi vilescit.” Esta definição se compreenderá melhor quando estudarmos seu fundamento.

2° - Fundamento - A humildade tem um duplo fundamento: a verdade e a justiça: a verdade que faz com que nos conheçamos a nós mesmo tal como somos; a justiça que nos inclina a nos tratar conforme este conhecimento.

A)   Para se conhecer a si mesmo, diz Santo Tomás, é preciso ver isso que em nós pertence a Deus e aquilo que pertence a nós mesmos; ora, tudo o que há de bom em nós vem de Deus e lhe pertence, tudo que há de mal ou de defeituoso vem de nós.
A justiça pede, imperiosamente, que se renda a Deus, e a Deus só, toda honra e toda a glória.
Sem dúvida há algo de bom em nós, nosso ser natural e, sobretudo os privilégios sobrenaturais; a humildade não nos impede de vê-los, de admirá-los; mas, do mesmo modo que se admira um quadro, é para o artista que o pintou que vai nosso elogio e não para a tela, assim, quando admiramos os dons e a graças de Deus em nós, é a Ele e não a nós mesmos que devem ir nossa admiração.
B)   Nossa qualidade de pecadores nos condena a humilhação. Em certo sentido, não somos nada além de pecado, nascidos no pecado, conservamos em nós a concupiscência que nos leva ao pecado.

Quando entramos no mundo, já estamos manchados pelo pecado original, do qual somente a misericórdia divina pode nos purificar. E os pecados atuais que comentemos depois do despertar da nossa razão? Se cometermos somente um pecado mortal merecemos eternas humilhações. Mas mesmo que tivéssemos cometido somente pecados veniais, deveríamos nos lembrar de que o menor deles é uma ofensa a Deus, uma desobediência voluntária a sua Lei, um ato de revolta pelo qual preferimos a nossa vontade que a Sua: uma vida inteira de penitencias não seria suficiente para expiar esses pecados. Ainda mais, conservamos em nós, mesmo quando somos regenerados, tendências profundas ao pecado, a todos os tipos de pecado, se bem que, segundo o testemunho de Santo Agostinho, se nós não cometemos todos os piores pecados do mundo foi devido à graça divina.
Nós devemos, pois, pela justiça, amar as humilhações, aceitar todas as reprovações: se alguém nos diz que somos avaros, desonestos, orgulhosos, devemos aceitar, por que conservamos em nós a tendência a todos esses defeitos. “Assim, em toda doença, perseguição, desprezos ou outra aflição é preciso nos colocar do lado de Deus contra nós mesmos e dizer que merecemos tudo isso e muito mais, que Ele tem o direito de usar de toda criatura para nos punir, e que nós adoramos a grande misericórdia que exerce agora sobre nós, sabendo que no tempo da justiça Ele nos tratará mais rigorosamente.
Eis ai o duplo fundamento da humildade: não sendo nós mais que nada, devemos amar o esquecimento e o desprezo: nescire, pro nihilo reputari; pecadores, nós merecemos todos os desprezos e humilhações.

II – Os diversos graus da humildade
Nós indicaremos os principais, que podem se resumir a três: as de São Bento, de Santo Inácio de Loyola e de M.Olier.
I° - Os doze degraus de São Bento. Cassiano tinha distinguido dez degraus na prática da humildade. São Bento completa essa divisão ajuntando outros dois degraus. Para ter uma melhor visão é preciso se lembrar que São Bento definia essa virtude como “uma atitude habitual da alma que regula o conjunto das relações do monge com Deus na verdade de sua dupla qualidade de criatura pecadora e filho adotivo.” Ela está baseada sobre a reverencia para com Deus e compreende outra humildade propriamente dita, a obediência, a paciência e a modéstia. Entre os doze degraus, sete tem relação com os atos interiores e cinco aos atos exteriores.
Os interiores são:
1° - O temor de Deus sem cessar presente aos olhos de nosso espírito nos fazendo praticar os mandamentos: temor dos castigos primeiramente, depois temor reverencial, que termina na adoração “Timor Domini sanctus, permanens in saeculum saeculi.”
2° - A obediência, ou submissão de nossa vontade àquela de Deus: se nós temos, com efeito, a reverencia e o temor de Deus, faremos Sua vontade em tudo: está obediência é um ato de humildade, pois que é a expressão de nossa dependência a respeito de Deus.
3° - A obediência aos superiores por amor a Deus, pro amore Dei; é mais difícil se submeter aos superiores que ao próprio Deus; é preciso um maior espírito de fé para ver Deus nos superiores e uma abnegação mais perfeita, por que essa obediência se aplica a um maior número de coisas.
4° - A obediência paciente mesmo nas coisas mais difíceis, suportando as injúrias sem reclamar, mesmo quando humilhações veem dos superiores: para ai chegar é preciso pensar nas recompensas e nas humilhações de Nosso Senhor Jesus.
5° - A confissão de todas as faltas mais leves é um ato de humildade que é um freio poderoso: o pensamento que será preciso confessar as faltas mais secretas muitas vezes nos retém na beira do abismo.
6° - A aceitação cordial de todas as privações e ocupações vis, se olhando sempre como inferior às suas tarefas.
7° - Se crer sinceramente, do fundo do coração, o último de todos os homens. É um degrau raro; os santos ai chegam dizem que se os outros tivessem tido tantas graças como eles, certamente seriam melhores.
Estes atos interiores se manifestam pelos exteriores do quais os principais são:
8° - A fuga da singularidade: nada fazer de extraordinário, mas se contentar com aquilo que é autorizado pela regra comum, o exemplo dos antigos e os costumes legítimos; querer se singularizar é uma marca de orgulho e vaidade.
9° - O silêncio: saber se calar quando não é interrogado ou quando não tem uma boa razão para falar; dar aos outros a ocasião de falar; e tomar em primeiro lugar a palavra é sinal de muita vaidade.
10° - A moderação no riso: São Bento não condena o riso à medida que indica a alegria espiritual, mas somente as gargalhadas escandalosas e indiscretas, ou a disposição de rir sempre e de maneira barulhenta, que mostra pouco respeito pela presença de Deus e pouca humildade.
11° - A reserva nas palavras: quando se fala, se faz docemente e humildemente, sem falar alto, mas com a gravidade e seriedade do sábio.
12° - A modéstia na postura: andar, se assentar, se manter de pé, olhar modestamente, sem afetação, o olhar ligeiramente dirigido para baixo, pensando em Deus e se dizendo indigno de levantar os olhos aos céus.
Depois de ter explicado os doze graus de humildade, São Bento acrescenta que eles levam ao amor de Deus; esse amor perfeito exclui o temor: “o amor de Deus, eis o termo onde conduz a humildade: o caminho é rude, mas os cumes onde ele conduz são as alturas do amor divino.”
Os três graus de Santo Inácio.
Santo Inácio propõe aos seus retirantes três degraus de humildade que são no fundo três degraus de abnegação.
1)    O primeiro consiste em me abaixar e me humilhar tanto quanto me for possível e necessário para obedecer em tudo a lei de Deus Nosso Senhor: de sorte que quando me oferecerem o domínio universo, quando ameaçarem de tirar minha vida, eu não posso nem pensar em transgredir uma lei de Deus ou dos homens sob pena de pecado mortal. Este degrau é essencial para qualquer cristão para conservar o estado de graça.
2)    O segundo degrau de humildade é mais perfeito que o primeiro. Consiste em me encontrar em uma inteira indiferença de vontade e de afeição entre as riquezas e pobrezas, as honras e desprezos, o desejo de uma longa vida ou curta. Além disso, quando se trataria de ganhar o mundo inteiro ou de salvar minha própria alma, eu devo manter meu pensamento somente em não cometer nenhum pecado venial.
3)    O terceiro degrau de humildade é perfeitíssimo. Ele compreende os dois primeiros, e quer além, supor que a majestade e glória divina aumentem e que para imitar mais perfeitamente Nosso Senhor Jesus Cristo e me tornar mais semelhante a Ele, eu prefiro, eu abraso a pobreza com Cristo pobre antes que as riquezas; os opróbrios com o Cristo saturado de opróbrios antes que de honras; o desejo de ser olhando como um homem inútil e insensato por amor de Jesus Cristo, que foi tratado como tal e não como um homem sábio aos olhos do mundo. É o degrau dos perfeitos; é o amor da cruz e das humilhações, em união com Jesus Cristo e por amor a Ele; quando se chama a esse ponto, se está adiantado no caminho da santidade.

Os três graus de humildade segundo M. Olier.
M. Olier explica os três degraus da humildade interior que convém as almas já fervorosas.
a) O primeiro é de se agradar no conhecimento de si mesmo, de sua vileza, de sua baixeza, de seus defeitos e de seus pecados. Só o conhecimento de suas misérias não é humildade; existem aqueles que reconhecem seus defeitos, mas se entristecem e procuram, neles mesmos, alguma perfeição que cubra a confusão em que estão: é um efeito da soberba. Mas quando se comprazem no conhecimento de suas misérias, quando se ama a própria vileza e abjeção, se é verdadeiramente humilde.
Se se teve a infelicidade de cometer um pecado, se deve detestá-lo, sem dúvida, mas amar a vileza onde se foi reduzido pelo pecado. Para comprazer-se em suas misérias é preciso lembrar-se que esse sentimento honra a Deus precisamente por que em nossa pequenez fazer aparecer melhor Sua grandeza e em nossos pecados Sua Santidade. A alma protesta, assim, que não tem nada que vale, que ela é incapaz, por ela mesma, de fazer qualquer bem, mas que tudo vem de Deus, que em tudo depende Dele e que tudo deve ser operado por Ele em nós.
b) O segundo degrau é de amar ser conhecido por vil, por abjeto, por nada e pecado, e de ser tido por tal aos olhos do mundo. Se, com efeito, conhecendo e amando nossa miséria, quiséssemos ser estimados pelos homens seríamos hipócritas desejando ser melhores do que realmente somos.
Essa é, infelizmente, nossa tendência: daí nasce o amargor que temos quando se nos descobrem nossas imperfeições; temos a preocupação de nos sair bem em nossas obras e de ter a estima dos homens. Ora, desejar esta estima é ser um ladrão desejando se apropriar daquilo que pertence somente ao Soberano. A alma humilde, pelo contrário, não se preocupa com o que pensam dela; ela sofre quando é louvada; amaria bem mais sofrer mil afrontas que um só louvor; um está fundado sobre a verdade, outro sobre a mentira.
c) O terceiro degrau é de querer ser não somente conhecido, mas tratado como vil, abjeto e desprezível; é receber com alegria todos os desprezos e todas as confusões possíveis; em uma palavra é desejar ser tratado segundo aquilo que se merece. Ora, qual desprezo não é devido ao nada, que não tem nada em si de recomendável e, sobretudo, o qual o desprezo não é devido ao pecado que nos afasta do verdadeiro bem que é Deus?
Também, quando Deus nos envia aridez, securas interiores, devemos tomar partido de Deus contra nós e confessar que Ele tem razão ao castigar nossas obras e nossa pessoa. Do mesmo modo, se somos maltratados por nossos superiores, nossos iguais e mesmo nossos inferiores, devemos nos alegrar com a coisa mais justa, a mais vantajosa para nós e mais conforme ao desejo de Nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso mesmo evitar, por soberba, desejar um alto lugar no céu; sem dúvida é preciso amar a Deus tanto quanto Ele deseja e nos tornar fiéis para chegar ao máximo de glória e de felicidade que ele nos prepara; mas para o lugar que nós ocuparemos no céu é preciso se abandonar nas Mãos de Deus.

A Excelência da Humildade
Para compreender a linguagem dos santos a esse respeito é preciso distinguir a humildade em si e a humildade como fundamento das outras virtudes.
1° - Considerada em si, a humildade, nos diz Santo Tomás, é inferior às virtudes teologais, que tem Deus por objeto direto, inferior mesmo a certas virtudes morais como a prudência, a religião e a justiça legal que olha o bem comum; mas ela é superior às outras virtudes morais (salvo talvez a obediência) por causa de seu caráter universal e por que ela nos submete à ordem divina em todas as coisas.
2° - Mas se si considera a humildade tanto quanto ela é a chave que abre os tesouros da graça e o fundamento das virtudes, ela é, no dizer dos santos, uma das virtudes mais excelentes.
A)   Ela é a chave que abre os tesouros da graça: “humilibus autem dat gratiam”. a) Deus sabe, com efeito, que a alma humilde não se compraz que Ele a concede, que ela não se incha de vaidade, mas pelo contrário, ela devolve a Deus toda a glória; Ele pode, então, fazer jorrar nela a abundancia de Seus favores, pois que Sua glória será aumentada. Ele se vê obrigado a retirar sua graça dos soberbos “Deus superbis resistit”, por que estes monopolizam, em seu proveito, e o tem como título de glória. Isto Deus não pode suportar: “Gloriam meam alteri non dabo”. b) Alias, a humildade esvazia nossa alma do amor próprio e da vangloria e a prepara, pela graça, uma vasta capacidade, que Deus pede para enchê-la; por que, como diz são Bernardo, há uma estreita afinidade entre a graça e a humildade.
B)   Ela é também o fundamento de todas as virtudes; se ela não é a mãe é, ao menos, a ama de todas as outras virtudes; ai há dois pontos de vista neste sentido em que sem ela nenhuma virtude é sólida e que com ela todas as virtudes se tornam mais profundas e mais perfeitas.
1)    Como o orgulho é o grande obstáculo a fé, é certo que a humildade torna nossa fé mais pronta, mais fácil, mais firme e mesmo, mais esclarecida. Como é mais fácil cativar sua inteligência sob a autoridade da fé, quando se tem consciência da dependência que nós somos de Deus! E reciprocamente, a fé nos mostrando a infinita perfeição de Deus e nosso nada nos afirma na humildade.
2)    Acontece o mesmo com a esperança: o orgulhoso confia demais em si mesmo e presume muito de sua força; ele não pensa em invocar o socorro divino; o humilde, pelo contrário, coloca toda sua esperança em Deus por que ele desconfia de si mesmo. A esperança, nos torna mais humildes por que ela nos mostra os bens celestes estão de tal forma acima de nossas forças que, sem o socorro todo poderoso da graça, não poderíamos alcançar.
3)    A caridade tem por inimigo o egoísmo; é, pois, no vazio de si que aumenta o amor de Deus e este torna mais profunda a humildade, por que ficamos felizes em nos apagar diante Daquele que amamos. Também Santo Agostinho diz com razão que nada é mais sublime que a caridade e que os únicos que podem praticá-la são os humildes. Do mesmo modo, para praticar a caridade para com o próximo não meio mais seguro que a humildade, que joga um véu sobre seus defeitos e nos faz compartilhar de suas misérias no lugar de se indignar contra ele.
4)    A religião é melhor praticada quando se vê mais claramente que tudo se deve aniquilar e sacrificar por Deus.
5)    A prudência o exige: os humildes sempre refletem e consultam antes de agir.
6)    A justiça não pode ser praticada sem a humildade, por que o orgulhoso exagera seus direitos em detrimento daqueles do próximo.
7)    A força do cristão vem não dele mesmo, mas de Deus; só existe verdadeiramente naqueles que, conscientes de sua fraqueza, se apoiam sobre Aquele que pode os fortificar.
8)    A temperança e a castidade supõe a humildade. A doçura e a paciência se praticam quando se sabe aceitar as humilhações.
Assim, se pode dizer que sem a humildade não há virtude sólida e durável, e que por ela, pelo contrário, todas as virtudes crescem e se enraízam mais profundamente na alma. Podemos concluir com Santo Agostinho: “Deseja te elevar? Começa por te abaixar. Sonhas em construir um edifício que se eleve até o céu? Estabeleça primeiramente o fundamento sobre a humildade. E, quanto mais alta for a construção, mais profunda devem ser as fundações.” (Sermo X de Verbo Domine).