segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Humildade



A.     Tanquerey (Précis de Théologie Ascétique et Mystique)



Esta virtude poderia, sob certos aspectos, relacionada com a justiça, pois que ela nos inclina a nos tratar como nós merecemos. Entretanto é relacionada geralmente à virtude da temperança, por que ela modera o sentimento que nós temos de nossa própria excelência. Exporemos: 1° sua natureza; 2° seus graus; 3° sua excelência; 4° os meios de praticá-la.

I – Sua natureza

1° - A humildade é uma virtude desconhecida dos pagãos; para eles a humildade designava algo vil, abjeto, servil e ignóbil. Não era a mesma coisa para os judeus. Esclarecidos pela fé, os melhores dentre eles, os justos, conscientes de seu nada e sua miséria, aceitavam com paciência a prova como meio de expiação; Deus então se inclinava em suas direções para socorrê-los; amava atender as orações dos humildes e perdoava o pecador contrito e humilhado. Quando Nosso Senhor vem pregar a humildade e a doçura, os judeus puderam compreender sua linguagem. Para nós, compreendemos melhor ainda, depois de ter meditado os exemplos de humildade que Ele nos deu em sua vida escondida, pública e sofredora e que não cessa de nos dar em Sua vida eucarística.

Pode-se definir a humildade como: uma virtude sobrenatural que, pelo conhecimento que nos dá de nós mesmos, nos inclina a nos estimar em nosso justo valor e a procurar nosso desprezo. Mais brevemente São Bernardo define como: “virtus qua homo verissima sui agnitione, sibi ipsi vilescit.” Esta definição se compreenderá melhor quando estudarmos seu fundamento.

2° - Fundamento - A humildade tem um duplo fundamento: a verdade e a justiça: a verdade que faz com que nos conheçamos a nós mesmo tal como somos; a justiça que nos inclina a nos tratar conforme este conhecimento.

A)   Para se conhecer a si mesmo, diz Santo Tomás, é preciso ver isso que em nós pertence a Deus e aquilo que pertence a nós mesmos; ora, tudo o que há de bom em nós vem de Deus e lhe pertence, tudo que há de mal ou de defeituoso vem de nós.
A justiça pede, imperiosamente, que se renda a Deus, e a Deus só, toda honra e toda a glória.
Sem dúvida há algo de bom em nós, nosso ser natural e, sobretudo os privilégios sobrenaturais; a humildade não nos impede de vê-los, de admirá-los; mas, do mesmo modo que se admira um quadro, é para o artista que o pintou que vai nosso elogio e não para a tela, assim, quando admiramos os dons e a graças de Deus em nós, é a Ele e não a nós mesmos que devem ir nossa admiração.
B)   Nossa qualidade de pecadores nos condena a humilhação. Em certo sentido, não somos nada além de pecado, nascidos no pecado, conservamos em nós a concupiscência que nos leva ao pecado.

Quando entramos no mundo, já estamos manchados pelo pecado original, do qual somente a misericórdia divina pode nos purificar. E os pecados atuais que comentemos depois do despertar da nossa razão? Se cometermos somente um pecado mortal merecemos eternas humilhações. Mas mesmo que tivéssemos cometido somente pecados veniais, deveríamos nos lembrar de que o menor deles é uma ofensa a Deus, uma desobediência voluntária a sua Lei, um ato de revolta pelo qual preferimos a nossa vontade que a Sua: uma vida inteira de penitencias não seria suficiente para expiar esses pecados. Ainda mais, conservamos em nós, mesmo quando somos regenerados, tendências profundas ao pecado, a todos os tipos de pecado, se bem que, segundo o testemunho de Santo Agostinho, se nós não cometemos todos os piores pecados do mundo foi devido à graça divina.
Nós devemos, pois, pela justiça, amar as humilhações, aceitar todas as reprovações: se alguém nos diz que somos avaros, desonestos, orgulhosos, devemos aceitar, por que conservamos em nós a tendência a todos esses defeitos. “Assim, em toda doença, perseguição, desprezos ou outra aflição é preciso nos colocar do lado de Deus contra nós mesmos e dizer que merecemos tudo isso e muito mais, que Ele tem o direito de usar de toda criatura para nos punir, e que nós adoramos a grande misericórdia que exerce agora sobre nós, sabendo que no tempo da justiça Ele nos tratará mais rigorosamente.
Eis ai o duplo fundamento da humildade: não sendo nós mais que nada, devemos amar o esquecimento e o desprezo: nescire, pro nihilo reputari; pecadores, nós merecemos todos os desprezos e humilhações.

II – Os diversos graus da humildade
Nós indicaremos os principais, que podem se resumir a três: as de São Bento, de Santo Inácio de Loyola e de M.Olier.
I° - Os doze degraus de São Bento. Cassiano tinha distinguido dez degraus na prática da humildade. São Bento completa essa divisão ajuntando outros dois degraus. Para ter uma melhor visão é preciso se lembrar que São Bento definia essa virtude como “uma atitude habitual da alma que regula o conjunto das relações do monge com Deus na verdade de sua dupla qualidade de criatura pecadora e filho adotivo.” Ela está baseada sobre a reverencia para com Deus e compreende outra humildade propriamente dita, a obediência, a paciência e a modéstia. Entre os doze degraus, sete tem relação com os atos interiores e cinco aos atos exteriores.
Os interiores são:
1° - O temor de Deus sem cessar presente aos olhos de nosso espírito nos fazendo praticar os mandamentos: temor dos castigos primeiramente, depois temor reverencial, que termina na adoração “Timor Domini sanctus, permanens in saeculum saeculi.”
2° - A obediência, ou submissão de nossa vontade àquela de Deus: se nós temos, com efeito, a reverencia e o temor de Deus, faremos Sua vontade em tudo: está obediência é um ato de humildade, pois que é a expressão de nossa dependência a respeito de Deus.
3° - A obediência aos superiores por amor a Deus, pro amore Dei; é mais difícil se submeter aos superiores que ao próprio Deus; é preciso um maior espírito de fé para ver Deus nos superiores e uma abnegação mais perfeita, por que essa obediência se aplica a um maior número de coisas.
4° - A obediência paciente mesmo nas coisas mais difíceis, suportando as injúrias sem reclamar, mesmo quando humilhações veem dos superiores: para ai chegar é preciso pensar nas recompensas e nas humilhações de Nosso Senhor Jesus.
5° - A confissão de todas as faltas mais leves é um ato de humildade que é um freio poderoso: o pensamento que será preciso confessar as faltas mais secretas muitas vezes nos retém na beira do abismo.
6° - A aceitação cordial de todas as privações e ocupações vis, se olhando sempre como inferior às suas tarefas.
7° - Se crer sinceramente, do fundo do coração, o último de todos os homens. É um degrau raro; os santos ai chegam dizem que se os outros tivessem tido tantas graças como eles, certamente seriam melhores.
Estes atos interiores se manifestam pelos exteriores do quais os principais são:
8° - A fuga da singularidade: nada fazer de extraordinário, mas se contentar com aquilo que é autorizado pela regra comum, o exemplo dos antigos e os costumes legítimos; querer se singularizar é uma marca de orgulho e vaidade.
9° - O silêncio: saber se calar quando não é interrogado ou quando não tem uma boa razão para falar; dar aos outros a ocasião de falar; e tomar em primeiro lugar a palavra é sinal de muita vaidade.
10° - A moderação no riso: São Bento não condena o riso à medida que indica a alegria espiritual, mas somente as gargalhadas escandalosas e indiscretas, ou a disposição de rir sempre e de maneira barulhenta, que mostra pouco respeito pela presença de Deus e pouca humildade.
11° - A reserva nas palavras: quando se fala, se faz docemente e humildemente, sem falar alto, mas com a gravidade e seriedade do sábio.
12° - A modéstia na postura: andar, se assentar, se manter de pé, olhar modestamente, sem afetação, o olhar ligeiramente dirigido para baixo, pensando em Deus e se dizendo indigno de levantar os olhos aos céus.
Depois de ter explicado os doze graus de humildade, São Bento acrescenta que eles levam ao amor de Deus; esse amor perfeito exclui o temor: “o amor de Deus, eis o termo onde conduz a humildade: o caminho é rude, mas os cumes onde ele conduz são as alturas do amor divino.”
Os três graus de Santo Inácio.
Santo Inácio propõe aos seus retirantes três degraus de humildade que são no fundo três degraus de abnegação.
1)    O primeiro consiste em me abaixar e me humilhar tanto quanto me for possível e necessário para obedecer em tudo a lei de Deus Nosso Senhor: de sorte que quando me oferecerem o domínio universo, quando ameaçarem de tirar minha vida, eu não posso nem pensar em transgredir uma lei de Deus ou dos homens sob pena de pecado mortal. Este degrau é essencial para qualquer cristão para conservar o estado de graça.
2)    O segundo degrau de humildade é mais perfeito que o primeiro. Consiste em me encontrar em uma inteira indiferença de vontade e de afeição entre as riquezas e pobrezas, as honras e desprezos, o desejo de uma longa vida ou curta. Além disso, quando se trataria de ganhar o mundo inteiro ou de salvar minha própria alma, eu devo manter meu pensamento somente em não cometer nenhum pecado venial.
3)    O terceiro degrau de humildade é perfeitíssimo. Ele compreende os dois primeiros, e quer além, supor que a majestade e glória divina aumentem e que para imitar mais perfeitamente Nosso Senhor Jesus Cristo e me tornar mais semelhante a Ele, eu prefiro, eu abraso a pobreza com Cristo pobre antes que as riquezas; os opróbrios com o Cristo saturado de opróbrios antes que de honras; o desejo de ser olhando como um homem inútil e insensato por amor de Jesus Cristo, que foi tratado como tal e não como um homem sábio aos olhos do mundo. É o degrau dos perfeitos; é o amor da cruz e das humilhações, em união com Jesus Cristo e por amor a Ele; quando se chama a esse ponto, se está adiantado no caminho da santidade.

Os três graus de humildade segundo M. Olier.
M. Olier explica os três degraus da humildade interior que convém as almas já fervorosas.
a) O primeiro é de se agradar no conhecimento de si mesmo, de sua vileza, de sua baixeza, de seus defeitos e de seus pecados. Só o conhecimento de suas misérias não é humildade; existem aqueles que reconhecem seus defeitos, mas se entristecem e procuram, neles mesmos, alguma perfeição que cubra a confusão em que estão: é um efeito da soberba. Mas quando se comprazem no conhecimento de suas misérias, quando se ama a própria vileza e abjeção, se é verdadeiramente humilde.
Se se teve a infelicidade de cometer um pecado, se deve detestá-lo, sem dúvida, mas amar a vileza onde se foi reduzido pelo pecado. Para comprazer-se em suas misérias é preciso lembrar-se que esse sentimento honra a Deus precisamente por que em nossa pequenez fazer aparecer melhor Sua grandeza e em nossos pecados Sua Santidade. A alma protesta, assim, que não tem nada que vale, que ela é incapaz, por ela mesma, de fazer qualquer bem, mas que tudo vem de Deus, que em tudo depende Dele e que tudo deve ser operado por Ele em nós.
b) O segundo degrau é de amar ser conhecido por vil, por abjeto, por nada e pecado, e de ser tido por tal aos olhos do mundo. Se, com efeito, conhecendo e amando nossa miséria, quiséssemos ser estimados pelos homens seríamos hipócritas desejando ser melhores do que realmente somos.
Essa é, infelizmente, nossa tendência: daí nasce o amargor que temos quando se nos descobrem nossas imperfeições; temos a preocupação de nos sair bem em nossas obras e de ter a estima dos homens. Ora, desejar esta estima é ser um ladrão desejando se apropriar daquilo que pertence somente ao Soberano. A alma humilde, pelo contrário, não se preocupa com o que pensam dela; ela sofre quando é louvada; amaria bem mais sofrer mil afrontas que um só louvor; um está fundado sobre a verdade, outro sobre a mentira.
c) O terceiro degrau é de querer ser não somente conhecido, mas tratado como vil, abjeto e desprezível; é receber com alegria todos os desprezos e todas as confusões possíveis; em uma palavra é desejar ser tratado segundo aquilo que se merece. Ora, qual desprezo não é devido ao nada, que não tem nada em si de recomendável e, sobretudo, o qual o desprezo não é devido ao pecado que nos afasta do verdadeiro bem que é Deus?
Também, quando Deus nos envia aridez, securas interiores, devemos tomar partido de Deus contra nós e confessar que Ele tem razão ao castigar nossas obras e nossa pessoa. Do mesmo modo, se somos maltratados por nossos superiores, nossos iguais e mesmo nossos inferiores, devemos nos alegrar com a coisa mais justa, a mais vantajosa para nós e mais conforme ao desejo de Nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso mesmo evitar, por soberba, desejar um alto lugar no céu; sem dúvida é preciso amar a Deus tanto quanto Ele deseja e nos tornar fiéis para chegar ao máximo de glória e de felicidade que ele nos prepara; mas para o lugar que nós ocuparemos no céu é preciso se abandonar nas Mãos de Deus.

A Excelência da Humildade
Para compreender a linguagem dos santos a esse respeito é preciso distinguir a humildade em si e a humildade como fundamento das outras virtudes.
1° - Considerada em si, a humildade, nos diz Santo Tomás, é inferior às virtudes teologais, que tem Deus por objeto direto, inferior mesmo a certas virtudes morais como a prudência, a religião e a justiça legal que olha o bem comum; mas ela é superior às outras virtudes morais (salvo talvez a obediência) por causa de seu caráter universal e por que ela nos submete à ordem divina em todas as coisas.
2° - Mas se si considera a humildade tanto quanto ela é a chave que abre os tesouros da graça e o fundamento das virtudes, ela é, no dizer dos santos, uma das virtudes mais excelentes.
A)   Ela é a chave que abre os tesouros da graça: “humilibus autem dat gratiam”. a) Deus sabe, com efeito, que a alma humilde não se compraz que Ele a concede, que ela não se incha de vaidade, mas pelo contrário, ela devolve a Deus toda a glória; Ele pode, então, fazer jorrar nela a abundancia de Seus favores, pois que Sua glória será aumentada. Ele se vê obrigado a retirar sua graça dos soberbos “Deus superbis resistit”, por que estes monopolizam, em seu proveito, e o tem como título de glória. Isto Deus não pode suportar: “Gloriam meam alteri non dabo”. b) Alias, a humildade esvazia nossa alma do amor próprio e da vangloria e a prepara, pela graça, uma vasta capacidade, que Deus pede para enchê-la; por que, como diz são Bernardo, há uma estreita afinidade entre a graça e a humildade.
B)   Ela é também o fundamento de todas as virtudes; se ela não é a mãe é, ao menos, a ama de todas as outras virtudes; ai há dois pontos de vista neste sentido em que sem ela nenhuma virtude é sólida e que com ela todas as virtudes se tornam mais profundas e mais perfeitas.
1)    Como o orgulho é o grande obstáculo a fé, é certo que a humildade torna nossa fé mais pronta, mais fácil, mais firme e mesmo, mais esclarecida. Como é mais fácil cativar sua inteligência sob a autoridade da fé, quando se tem consciência da dependência que nós somos de Deus! E reciprocamente, a fé nos mostrando a infinita perfeição de Deus e nosso nada nos afirma na humildade.
2)    Acontece o mesmo com a esperança: o orgulhoso confia demais em si mesmo e presume muito de sua força; ele não pensa em invocar o socorro divino; o humilde, pelo contrário, coloca toda sua esperança em Deus por que ele desconfia de si mesmo. A esperança, nos torna mais humildes por que ela nos mostra os bens celestes estão de tal forma acima de nossas forças que, sem o socorro todo poderoso da graça, não poderíamos alcançar.
3)    A caridade tem por inimigo o egoísmo; é, pois, no vazio de si que aumenta o amor de Deus e este torna mais profunda a humildade, por que ficamos felizes em nos apagar diante Daquele que amamos. Também Santo Agostinho diz com razão que nada é mais sublime que a caridade e que os únicos que podem praticá-la são os humildes. Do mesmo modo, para praticar a caridade para com o próximo não meio mais seguro que a humildade, que joga um véu sobre seus defeitos e nos faz compartilhar de suas misérias no lugar de se indignar contra ele.
4)    A religião é melhor praticada quando se vê mais claramente que tudo se deve aniquilar e sacrificar por Deus.
5)    A prudência o exige: os humildes sempre refletem e consultam antes de agir.
6)    A justiça não pode ser praticada sem a humildade, por que o orgulhoso exagera seus direitos em detrimento daqueles do próximo.
7)    A força do cristão vem não dele mesmo, mas de Deus; só existe verdadeiramente naqueles que, conscientes de sua fraqueza, se apoiam sobre Aquele que pode os fortificar.
8)    A temperança e a castidade supõe a humildade. A doçura e a paciência se praticam quando se sabe aceitar as humilhações.
Assim, se pode dizer que sem a humildade não há virtude sólida e durável, e que por ela, pelo contrário, todas as virtudes crescem e se enraízam mais profundamente na alma. Podemos concluir com Santo Agostinho: “Deseja te elevar? Começa por te abaixar. Sonhas em construir um edifício que se eleve até o céu? Estabeleça primeiramente o fundamento sobre a humildade. E, quanto mais alta for a construção, mais profunda devem ser as fundações.” (Sermo X de Verbo Domine).




Nenhum comentário:

Postar um comentário