A. Tanquerey (Précis de Théologie Ascétique et Mystique)
Esta virtude poderia, sob certos
aspectos, relacionada com a justiça, pois que ela nos inclina a nos tratar como
nós merecemos. Entretanto é relacionada geralmente à virtude da temperança, por
que ela modera o sentimento que nós
temos de nossa própria excelência. Exporemos: 1° sua natureza; 2° seus graus;
3° sua excelência; 4° os meios de praticá-la.
I – Sua natureza
1° - A humildade é uma virtude
desconhecida dos pagãos; para eles a humildade designava algo vil, abjeto,
servil e ignóbil. Não era a mesma coisa para os judeus. Esclarecidos pela fé,
os melhores dentre eles, os justos, conscientes de seu nada e sua miséria,
aceitavam com paciência a prova como meio de expiação; Deus então se inclinava
em suas direções para socorrê-los; amava atender as orações dos humildes e
perdoava o pecador contrito e humilhado. Quando Nosso Senhor vem pregar a
humildade e a doçura, os judeus puderam compreender sua linguagem. Para nós,
compreendemos melhor ainda, depois de ter meditado os exemplos de humildade que
Ele nos deu em sua vida escondida, pública e sofredora e que não cessa de nos
dar em Sua vida eucarística.
Pode-se definir a humildade como: uma virtude sobrenatural que, pelo
conhecimento que nos dá de nós mesmos, nos inclina a nos estimar em nosso justo
valor e a procurar nosso desprezo. Mais brevemente São Bernardo define
como: “virtus qua homo verissima sui
agnitione, sibi ipsi vilescit.” Esta definição se compreenderá melhor
quando estudarmos seu fundamento.
2° - Fundamento - A humildade tem um
duplo fundamento: a verdade e a justiça: a verdade
que faz com que nos conheçamos a nós mesmo tal como somos; a justiça que nos inclina a nos tratar
conforme este conhecimento.
A)
Para
se conhecer a si mesmo, diz Santo Tomás, é preciso ver isso que em nós pertence
a Deus e aquilo que pertence a nós mesmos; ora, tudo o que há de bom em nós vem
de Deus e lhe pertence, tudo que há de mal ou de defeituoso vem de nós.
A justiça pede, imperiosamente, que
se renda a Deus, e a Deus só, toda honra e toda a glória.
Sem dúvida há algo de bom em nós,
nosso ser natural e, sobretudo os privilégios sobrenaturais; a humildade não
nos impede de vê-los, de admirá-los; mas, do mesmo modo que se admira um
quadro, é para o artista que o pintou que vai nosso elogio e não para a tela,
assim, quando admiramos os dons e a graças de Deus em nós, é a Ele e não a nós
mesmos que devem ir nossa admiração.
B)
Nossa
qualidade de pecadores nos condena a humilhação. Em certo sentido, não somos
nada além de pecado, nascidos no pecado, conservamos em nós a concupiscência
que nos leva ao pecado.
Quando entramos no mundo, já estamos
manchados pelo pecado original, do qual somente a misericórdia divina pode nos
purificar. E os pecados atuais que comentemos depois do despertar da nossa
razão? Se cometermos somente um pecado mortal merecemos eternas humilhações.
Mas mesmo que tivéssemos cometido somente pecados veniais, deveríamos nos
lembrar de que o menor deles é uma ofensa a Deus, uma desobediência voluntária
a sua Lei, um ato de revolta pelo qual preferimos a nossa vontade que a Sua:
uma vida inteira de penitencias não seria suficiente para expiar esses pecados.
Ainda mais, conservamos em nós, mesmo quando somos regenerados, tendências
profundas ao pecado, a todos os tipos de pecado, se bem que, segundo o
testemunho de Santo Agostinho, se nós não cometemos todos os piores pecados do
mundo foi devido à graça divina.
Nós devemos, pois, pela justiça, amar
as humilhações, aceitar todas as reprovações: se alguém nos diz que somos
avaros, desonestos, orgulhosos, devemos aceitar, por que conservamos em nós a
tendência a todos esses defeitos. “Assim, em toda doença, perseguição,
desprezos ou outra aflição é preciso nos colocar do lado de Deus contra nós
mesmos e dizer que merecemos tudo isso e muito mais, que Ele tem o direito de
usar de toda criatura para nos punir, e que nós adoramos a grande misericórdia
que exerce agora sobre nós, sabendo que no tempo da justiça Ele nos tratará
mais rigorosamente.
Eis ai o duplo fundamento da
humildade: não sendo nós mais que nada, devemos amar o esquecimento e o
desprezo: nescire, pro nihilo reputari; pecadores,
nós merecemos todos os desprezos e humilhações.
II – Os diversos graus da humildade
Nós indicaremos os principais, que
podem se resumir a três: as de São Bento, de Santo Inácio de Loyola e de M.Olier.
I° - Os doze degraus de São Bento.
Cassiano tinha distinguido dez degraus na prática da humildade. São Bento
completa essa divisão ajuntando outros dois degraus. Para ter uma melhor visão
é preciso se lembrar que São Bento definia essa virtude como “uma atitude habitual da alma que regula o
conjunto das relações do monge com Deus na verdade de sua dupla qualidade de
criatura pecadora e filho adotivo.” Ela está baseada sobre a reverencia
para com Deus e compreende outra humildade propriamente dita, a obediência, a
paciência e a modéstia. Entre os doze degraus, sete tem relação com os atos
interiores e cinco aos atos exteriores.
Os interiores são:
1° - O temor de Deus sem cessar presente aos olhos de nosso espírito nos
fazendo praticar os mandamentos: temor dos castigos primeiramente, depois temor
reverencial, que termina na adoração “Timor
Domini sanctus, permanens in saeculum saeculi.”
2° - A obediência, ou submissão de nossa vontade àquela de Deus: se nós
temos, com efeito, a reverencia e o temor de Deus, faremos Sua vontade em tudo:
está obediência é um ato de humildade, pois que é a expressão de nossa
dependência a respeito de Deus.
3° - A obediência aos superiores por amor a Deus, pro amore Dei; é mais difícil se submeter aos superiores que ao próprio
Deus; é preciso um maior espírito de fé para ver Deus nos superiores e uma
abnegação mais perfeita, por que essa obediência se aplica a um maior número de
coisas.
4° - A obediência paciente mesmo nas coisas mais difíceis, suportando as
injúrias sem reclamar, mesmo quando humilhações veem dos superiores: para ai
chegar é preciso pensar nas recompensas e nas humilhações de Nosso Senhor
Jesus.
5° - A confissão de todas as faltas mais leves é um ato de humildade que
é um freio poderoso: o pensamento que será preciso confessar as faltas mais
secretas muitas vezes nos retém na beira do abismo.
6° - A aceitação cordial de todas as privações e ocupações vis, se
olhando sempre como inferior às suas tarefas.
7° - Se crer sinceramente, do fundo
do coração, o último de todos os homens. É um degrau raro; os santos ai chegam
dizem que se os outros tivessem tido tantas graças como eles, certamente seriam
melhores.
Estes atos interiores se manifestam
pelos exteriores do quais os principais são:
8° - A fuga da singularidade: nada fazer de extraordinário, mas se
contentar com aquilo que é autorizado pela regra comum, o exemplo dos antigos e
os costumes legítimos; querer se singularizar é uma marca de orgulho e vaidade.
9° - O silêncio: saber se calar quando não é interrogado ou quando não
tem uma boa razão para falar; dar aos outros a ocasião de falar; e tomar em
primeiro lugar a palavra é sinal de muita vaidade.
10° - A moderação no riso: São Bento não condena o riso à medida que
indica a alegria espiritual, mas somente as gargalhadas escandalosas e
indiscretas, ou a disposição de rir sempre e de maneira barulhenta, que mostra
pouco respeito pela presença de Deus e pouca humildade.
11° - A reserva nas palavras: quando se fala, se faz docemente e
humildemente, sem falar alto, mas com a gravidade e seriedade do sábio.
12° - A modéstia na postura: andar, se assentar, se manter de pé, olhar
modestamente, sem afetação, o olhar ligeiramente dirigido para baixo, pensando
em Deus e se dizendo indigno de levantar os olhos aos céus.
Depois de ter explicado os doze graus
de humildade, São Bento acrescenta que eles levam ao amor de Deus; esse amor
perfeito exclui o temor: “o amor de Deus,
eis o termo onde conduz a humildade: o caminho é rude, mas os cumes onde ele
conduz são as alturas do amor divino.”
Os três graus de Santo Inácio.
Santo Inácio propõe aos seus
retirantes três degraus de humildade que são no fundo três degraus de
abnegação.
1)
O
primeiro consiste em me abaixar e me humilhar tanto quanto me for possível e
necessário para obedecer em tudo a lei de Deus Nosso Senhor: de sorte que
quando me oferecerem o domínio universo, quando ameaçarem de tirar minha vida,
eu não posso nem pensar em transgredir uma lei de Deus ou dos homens sob pena
de pecado mortal. Este degrau é essencial para qualquer cristão para conservar
o estado de graça.
2)
O
segundo degrau de humildade é mais perfeito que o primeiro. Consiste em me
encontrar em uma inteira indiferença de vontade e de afeição entre as riquezas
e pobrezas, as honras e desprezos, o desejo de uma longa vida ou curta. Além
disso, quando se trataria de ganhar o mundo inteiro ou de salvar minha própria
alma, eu devo manter meu pensamento somente em não cometer nenhum pecado
venial.
3)
O
terceiro degrau de humildade é perfeitíssimo. Ele compreende os dois primeiros,
e quer além, supor que a majestade e glória divina aumentem e que para imitar
mais perfeitamente Nosso Senhor Jesus Cristo e me tornar mais semelhante a Ele,
eu prefiro, eu abraso a pobreza com Cristo pobre antes que as riquezas; os opróbrios
com o Cristo saturado de opróbrios antes que de honras; o desejo de ser olhando
como um homem inútil e insensato por amor de Jesus Cristo, que foi tratado como
tal e não como um homem sábio aos olhos do mundo. É o degrau dos perfeitos; é o
amor da cruz e das humilhações, em união com Jesus Cristo e por amor a Ele;
quando se chama a esse ponto, se está adiantado no caminho da santidade.
Os três graus de humildade segundo M.
Olier.
M. Olier explica os três degraus da
humildade interior que convém as almas já fervorosas.
a) O primeiro é de se agradar no
conhecimento de si mesmo, de sua vileza, de sua baixeza, de seus defeitos e de
seus pecados. Só o conhecimento de suas misérias não é humildade; existem
aqueles que reconhecem seus defeitos, mas se entristecem e procuram, neles
mesmos, alguma perfeição que cubra a confusão em que estão: é um efeito da
soberba. Mas quando se comprazem no conhecimento de suas misérias, quando se
ama a própria vileza e abjeção, se é verdadeiramente humilde.
Se se teve a infelicidade de cometer
um pecado, se deve detestá-lo, sem dúvida, mas amar a vileza onde se foi
reduzido pelo pecado. Para comprazer-se em suas misérias é preciso lembrar-se
que esse sentimento honra a Deus precisamente por que em nossa pequenez fazer
aparecer melhor Sua grandeza e em nossos pecados Sua Santidade. A alma
protesta, assim, que não tem nada que vale, que ela é incapaz, por ela mesma,
de fazer qualquer bem, mas que tudo vem de Deus, que em tudo depende Dele e que
tudo deve ser operado por Ele em nós.
b) O segundo degrau é de amar ser
conhecido por vil, por abjeto, por nada e pecado, e de ser tido por tal aos
olhos do mundo. Se, com efeito, conhecendo e amando nossa miséria, quiséssemos
ser estimados pelos homens seríamos hipócritas desejando ser melhores do que
realmente somos.
Essa é, infelizmente, nossa
tendência: daí nasce o amargor que temos quando se nos descobrem nossas
imperfeições; temos a preocupação de nos sair bem em nossas obras e de ter a
estima dos homens. Ora, desejar esta estima é ser um ladrão desejando se
apropriar daquilo que pertence somente ao Soberano. A alma humilde, pelo
contrário, não se preocupa com o que pensam dela; ela sofre quando é louvada;
amaria bem mais sofrer mil afrontas que um só louvor; um está fundado sobre a verdade,
outro sobre a mentira.
c) O terceiro degrau é de querer ser
não somente conhecido, mas tratado como vil, abjeto e desprezível; é receber
com alegria todos os desprezos e todas as confusões possíveis; em uma palavra é
desejar ser tratado segundo aquilo que se merece. Ora, qual desprezo não é
devido ao nada, que não tem nada em si de recomendável e, sobretudo, o qual o
desprezo não é devido ao pecado que nos afasta do verdadeiro bem que é Deus?
Também, quando Deus nos envia aridez,
securas interiores, devemos tomar partido de Deus contra nós e confessar que
Ele tem razão ao castigar nossas obras e nossa pessoa. Do mesmo modo, se somos
maltratados por nossos superiores, nossos iguais e mesmo nossos inferiores,
devemos nos alegrar com a coisa mais justa, a mais vantajosa para nós e mais
conforme ao desejo de Nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso mesmo evitar, por
soberba, desejar um alto lugar no céu; sem dúvida é preciso amar a Deus tanto
quanto Ele deseja e nos tornar fiéis para chegar ao máximo de glória e de
felicidade que ele nos prepara; mas para o lugar que nós ocuparemos no céu é
preciso se abandonar nas Mãos de Deus.
A Excelência da Humildade
Para compreender a linguagem dos
santos a esse respeito é preciso distinguir a humildade em si e a humildade
como fundamento das outras virtudes.
1° - Considerada em si, a humildade,
nos diz Santo Tomás, é inferior às virtudes teologais, que tem Deus por objeto
direto, inferior mesmo a certas virtudes morais como a prudência, a religião e
a justiça legal que olha o bem comum; mas ela é superior às outras virtudes
morais (salvo talvez a obediência) por causa de seu caráter universal e por que
ela nos submete à ordem divina em todas as coisas.
2° - Mas se si considera a humildade
tanto quanto ela é a chave que abre os tesouros da graça e o fundamento das
virtudes, ela é, no dizer dos santos, uma das virtudes mais excelentes.
A)
Ela
é a chave que abre os tesouros da graça: “humilibus
autem dat gratiam”. a) Deus sabe, com efeito, que a alma humilde não se
compraz que Ele a concede, que ela não se incha de vaidade, mas pelo contrário,
ela devolve a Deus toda a glória; Ele pode, então, fazer jorrar nela a
abundancia de Seus favores, pois que Sua glória será aumentada. Ele se vê
obrigado a retirar sua graça dos soberbos “Deus
superbis resistit”, por que estes monopolizam, em seu proveito, e o tem
como título de glória. Isto Deus não pode suportar: “Gloriam meam alteri non dabo”. b) Alias, a humildade esvazia nossa
alma do amor próprio e da vangloria e a prepara, pela graça, uma vasta
capacidade, que Deus pede para enchê-la; por que, como diz são Bernardo, há uma
estreita afinidade entre a graça e a humildade.
B)
Ela
é também o fundamento de todas as virtudes; se ela não é a mãe é, ao menos, a
ama de todas as outras virtudes; ai há dois pontos de vista neste sentido em
que sem ela nenhuma virtude é sólida e que com ela todas as virtudes se tornam
mais profundas e mais perfeitas.
1)
Como
o orgulho é o grande obstáculo a fé, é certo que a humildade torna nossa fé
mais pronta, mais fácil, mais firme e mesmo, mais esclarecida. Como é mais
fácil cativar sua inteligência sob a autoridade da fé, quando se tem
consciência da dependência que nós somos de Deus! E reciprocamente, a fé nos
mostrando a infinita perfeição de Deus e nosso nada nos afirma na humildade.
2)
Acontece
o mesmo com a esperança: o orgulhoso confia demais em si mesmo e presume muito
de sua força; ele não pensa em invocar o socorro divino; o humilde, pelo
contrário, coloca toda sua esperança em Deus por que ele desconfia de si mesmo.
A esperança, nos torna mais humildes por que ela nos mostra os bens celestes
estão de tal forma acima de nossas forças que, sem o socorro todo poderoso da
graça, não poderíamos alcançar.
3)
A
caridade tem por inimigo o egoísmo; é, pois, no vazio de si que aumenta o amor
de Deus e este torna mais profunda a humildade, por que ficamos felizes em nos
apagar diante Daquele que amamos. Também Santo Agostinho diz com razão que nada
é mais sublime que a caridade e que os únicos que podem praticá-la são os humildes.
Do mesmo modo, para praticar a caridade para com o próximo não meio mais seguro
que a humildade, que joga um véu sobre seus defeitos e nos faz compartilhar de
suas misérias no lugar de se indignar contra ele.
4)
A
religião é melhor praticada quando se vê mais claramente que tudo se deve
aniquilar e sacrificar por Deus.
5)
A
prudência o exige: os humildes sempre refletem e consultam antes de agir.
6)
A
justiça não pode ser praticada sem a humildade, por que o orgulhoso exagera
seus direitos em detrimento daqueles do próximo.
7)
A
força do cristão vem não dele mesmo, mas de Deus; só existe verdadeiramente
naqueles que, conscientes de sua fraqueza, se apoiam sobre Aquele que pode os
fortificar.
8)
A
temperança e a castidade supõe a humildade. A doçura e a paciência se praticam
quando se sabe aceitar as humilhações.
Assim, se pode dizer que sem a
humildade não há virtude sólida e durável, e que por ela, pelo contrário, todas
as virtudes crescem e se enraízam mais profundamente na alma. Podemos concluir
com Santo Agostinho: “Deseja te elevar?
Começa por te abaixar. Sonhas em construir um edifício que se eleve até o céu?
Estabeleça primeiramente o fundamento sobre a humildade. E, quanto mais alta
for a construção, mais profunda devem ser as fundações.” (Sermo X de Verbo Domine).
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